segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Atira-te!


Hoje, a minha prática começou de cabeça para baixo, com Sírsásana, a invertida sobre a cabeça. É um dos ásanas que mais gosto de fazer. E lá estava eu, completamente relaxada, de olhos fechados, sem esforço, quando me lembrei que esta posição foi uma das que mais me custou conquistar. Demorei, seguramente, dois anos, até conseguir fazer sírsásana.

Digo muitas vezes, nas minhas aulas, que o que mais nos custa fazer, é o que mais precisamos. Se fugimos das nossas "fraquezas", elas nunca se vão transformar em "forças". Se fugimos das dificuldades, nunca vamos ser "aquele que as superou" e vamos perder todas as lições que cada obstáculo tráz consigo. Mas, nos meus primeiros tempos de yoga, enquanto era apenas aluna, eu só queria fazer as coisas que eram fáceis para mim. Fugia da invertida sobre a cabeça a sete pés, porque não conseguia fazê-la. Convenci-me que não gostava, quando, a verdade, era que não gostava, porque não conseguia. Fazia o que vejo muitos dos meus alunos fazerem hoje em dia!

Bem, mas o meu professor não se compadecia com os meus pretextos e obrigava-me a, pelo menos, tentar. No entanto, eu não conseguia subir, por mais que tentasse! Que frustração... Ou melhor, que medo...

O medo de cair era a única coisa que me impedia de conseguir. Eu não tinha nenhum problema físico que me impedisse. Mas o medo de cair, era mais que muito. E, como na invertida sobre a cabeça, o ponto de equilíbrio é muito próximo do ponto da queda, eu não subia. E assim foi, durante dois anos.

Um dia, durante as minhas tentativas frustradas (e frustrantes!), o meu professor gritou: "Força Cácá (era como ele me chamava), atira-te, não tenhas medo de ser feliz!". Se calhar, nem ele sabe exactamente porque lhe saíram aquelas palavras. Mas, pelos vistos, eram as palavras mágicas que me faltava ouvir. Nesse mesmo momento, "enfureci-me" comigo própria e "atirei-me" mesmo para a invertida. Claro, com a força que fui, obviamente caí. E ao cair, perdi o medo. Consequência: comecei a fazer a invertida.

A outra consequência, foi ter ficado a pensar naquelas palavras durante algum tempo. Identifiquei várias situações da minha vida, em que não "me atirava", pelo medo de cair. A mesma "fúria" surgiu em mim e, também na vida, atirei-me. Já não importava cair. Eu queria era perder o medo.

Durante os meus primeiros três anos e meio de yoga, as aulas que eu fazia resumiam-se a ásana. Eram aulas muito físicas, extremamente exigentes. Às vezes, havia hora para começar, mas não havia para acabar. Enquanto o meu professor tivesse tempo e eu me aguentasse em pé, não parávamos. Foi nesse período que construí os meus alicerces. No entanto, eu percebi que o trabalho era muito mais que físico. Aparentemente, só trabalhava o corpo. Mas a minha realidade interior foi mudando também. E de que maneira! Sem que eu percebesse como tinha acontecido, tinha descoberto uma outra pessoa em mim.

Corpo-mente. Uma aparente dualidade. Podemos falar do corpo e da mente, separadamente. Mas, na prática, estão intimamente ligados, andam de mãos dadas e é impossível trabalhar sobre um, sem afectar o outro. Aparentemente diferentes, mas são os dois extremos da mesma realidade. Não há nada que façamos com o nosso corpo, que não afecte todas as outras dimensões do nosso Ser. Podemos é não ter consciência disso. 

No yoga, trabalhamos todo o nosso Ser. Quando fazemos ásana, usamos o corpo como "porta de entrada" para o nosso mundo interior. Se esquecermos isso, estamos a esquecer o principal. Se temos como objectivo a conquista das posições, pela forma, estamos a engrandecer o ego e a falhar, por completo, o alvo da prática.










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