quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Da discussão nasce a luz?

Os cegos e o elefante
(História do folclore hindú)

"Numa cidade da Índia, viviam sete sábios cegos. Como os seus conselhos eram sempre excelentes, todas as pessoas que tinham problemas, recorriam à sua ajuda. Embora fossem amigos, havia uma certa rivalidade entre eles que, de vez em quando, discutiam sobre qual seria o mais sábio.

Certa noite, depois de muito conversarem sobre a verdade da vida e não chegarem a um acordo, o sétimo sábio ficou tão aborrecido, que resolveu ir morar sózinho numa caverna na montanha. Disse aos companheiros:

- Somos cegos para que possamos ouvir e entender melhor que as outras pessoas a verdade da vida. E, em vez de aconselhar os necessitados, vocês ficam aí a discutir, como se quisessem ganhar uma competição. Não aguento mais! Vou-me embora.

No dia seguinte, chegou à cidade um comerciante, montado num enorme elefante. Os cegos nunca tinham tocado nesse animal e correram para a rua ao seu encontro.

O primeiro sábio, apalpou a barriga do elefante e declarou:

- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar nos seus músculos e eles não se movem. Parecem paredes!

- Que palermice! - disse o segundo sábio, tocando nas presas do elefante. - Este animal é pontiagudo como uma lança, uma arma de guerra!

- Ambos se enganam - retorquiu o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante. - Este animal é idêntico a uma serpente. Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia.

- Vocês estão completamente enganados! - gritou o quinto sábio, que mexia nas orelhas do elefante. - Este animal não se parece com nenhum outro. Os seus movimentos são bamboleantes, como se o seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante...

- Vejam só! - Todos vocês, mas todos mesmo, estão completamente errados! - irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. - Este animal é como uma rocha, com uma corda presa no corpo. Posso até pendurar-me nele!

E assim, ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o sétimo sábio cego, que agora vivia na montanha, apareceu, conduzido por uma criança. Ouvindo a discussão, pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tacteou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e afirmou:

- É assim que os homens se comportam perante a verdade. Pegam apenas numa parte, pensam que é o todo e continuam tolos!"

Bem, ao ler esta história, uma das primeiras coisas que penso é que, realmente, é bom não nos esquecermos que, mesmo os sábios, são pessoas normais, com os seus desafios e egos manipuladores, como qualquer outro comum mortal. 

Nos últimos tempos, tenho dado por mim a pensar sobre a seguinte questão: "Será que da discussão nasce, realmente, a luz??". Pelo que eu vejo, a maioria das vezes, não.

Discutir, no sentido de reflectir sobre algum assunto, apresentando argumentos que permitam chegar à verdade sobre uma questão, é, para mim, salutar. Mas penso que é uma "arte" que poucos dominam. Algures no meio das discussões, a procura da verdade parece ser substituída pelo desejo de "vencer" o outro, de mostrar que "se eu estou certo, tu estás errado". Aliás, acredito que a maioria das discussões nem sequer começa com o objectivo de apurar alguma verdade!

Talvez essa seja a razão pela qual eu tenho cada vez menos paciência para discussões, nem que seja sobre o tempo! 

Esta é uma das questões do ego, a identificação com a forma. Se eu me identifico com os meus pensamentos, vou defendê-los a todo o custo. Alguém que esteja contra uma idéia minha, eu já sinto como algo pessoal e essa pessoa está contra mim. "Ou estás do meu lado, ou estás contra mim". Para muitos, esta é a sua realidade e não há meio termo.

Olhando à minha volta, acho que, da maioria das discussões, independentemente dos temas, a única coisa que "nasce", são egos ainda mais fortes. Cada pessoa agarrada ao seu pedaço de verdade, reforçando-a cada vez mais, criando resistência à verdade do outro.
 
Saber discutir, de forma produtiva, obriga a abrirmos mão da nossa verdade, pelo menos por um tempo, para termos espaço para ouvir e assimilar a verdade do outro. Saber ouvir, ou melhor, escutar, é outro requisito essencial e nada fácil. Para podermos escutar realmente alguém, temos de calar a nossa mente tagarela, evitando os seus constantes julgamentos e interpretações. Temos de tentar ver o mundo através dos olhos do outro, para realmente o percebermos. Temos de ter a capacidade de chegar à conclusão que podemos estar errados!

Infelizmente, não é isto que mais vejo... A imagem que me vem, é de um campo de batalha. Cada pessoa escondida por trás da sua muralha, os muros egóicos, esperando que o "inimigo ataque" (apresente os seus argumentos), para, logo em seguida, contra-atacar. E quando o "inimigo" é difícil de vencer, então chamamos reforços: começamos a citar A, B e C, pessoas muito entendidas no assunto, que dizem que "eu estou certa e tu errado"; dizemos que conhecemos muitas pessoas (na verdade, não são mais de uma ou duas, mas dizer "muitas" tem mais impacto...) que dizem, fazem ou veêm o mesmo que nós, etc.

Enfim, um duelo de egos, é o que é! Bem diferente do que, na minha opinião, deveria ser. Cada pedacinho de verdade é como a peça de um puzzle. Quando em conjunto com outras peças, forma uma imagem maior. Se eu junto o meu pedacinho de verdade, com os pedacinhos de outras pessoas, então, todos podemos chegar a uma verdade maior. E assim, nasce a luz!

Lembro-me de uma série que eu via na adolescência, "Os Imortais". Do que me lembro, havia o personagem principal, que era o McCloud. Em cada episódio, ele lutava com outro imortal. A única maneira de morrerem, era cortarem-lhes a cabeça e o vencedor da luta, absorvia a energia do que tinha morrido. Digam lá se não é isto que fazemos, a maior parte das vezes, quando discutimos? A única coisa que interessa é "cortar" a cabeça do outro, vencer a disputa. Sermos o vencedor! 




 




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