Os cegos e o elefante
(História do folclore hindú)
"Numa
cidade da Índia, viviam sete sábios cegos. Como os seus conselhos eram
sempre excelentes, todas as pessoas que tinham problemas, recorriam à
sua ajuda. Embora fossem amigos, havia uma certa rivalidade entre eles
que, de vez em quando, discutiam sobre qual seria o mais sábio.
Certa
noite, depois de muito conversarem sobre a verdade da vida e não
chegarem a um acordo, o sétimo sábio ficou tão aborrecido, que resolveu
ir morar sózinho numa caverna na montanha. Disse aos companheiros:
-
Somos cegos para que possamos ouvir e entender melhor que as outras
pessoas a verdade da vida. E, em vez de aconselhar os necessitados,
vocês ficam aí a discutir, como se quisessem ganhar uma competição. Não
aguento mais! Vou-me embora.
No
dia seguinte, chegou à cidade um comerciante, montado num enorme
elefante. Os cegos nunca tinham tocado nesse animal e correram para a
rua ao seu encontro.
O primeiro sábio, apalpou a barriga do elefante e declarou:
- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar nos seus músculos e eles não se movem. Parecem paredes!
-
Que palermice! - disse o segundo sábio, tocando nas presas do elefante.
- Este animal é pontiagudo como uma lança, uma arma de guerra!
-
Ambos se enganam - retorquiu o terceiro sábio, que apertava a tromba do
elefante. - Este animal é idêntico a uma serpente. Mas não morde,
porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia.
-
Vocês estão completamente enganados! - gritou o quinto sábio, que mexia
nas orelhas do elefante. - Este animal não se parece com nenhum outro.
Os seus movimentos são bamboleantes, como se o seu corpo fosse uma
enorme cortina ambulante...
-
Vejam só! - Todos vocês, mas todos mesmo, estão completamente errados! -
irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. - Este
animal é como uma rocha, com uma corda presa no corpo. Posso até
pendurar-me nele!
Bem, ao ler esta história, uma das primeiras coisas que penso é que, realmente, é bom não nos esquecermos que, mesmo os sábios, são pessoas normais, com os seus desafios e egos manipuladores, como qualquer outro comum mortal.
Nos últimos tempos, tenho dado por mim a pensar sobre a seguinte questão: "Será que da discussão nasce, realmente, a luz??". Pelo que eu vejo, a maioria das vezes, não.
Discutir, no sentido de reflectir sobre algum assunto, apresentando argumentos que permitam chegar à verdade sobre uma questão, é, para mim, salutar. Mas penso que é uma "arte" que poucos dominam. Algures no meio das discussões, a procura da verdade parece ser substituída pelo desejo de "vencer" o outro, de mostrar que "se eu estou certo, tu estás errado". Aliás, acredito que a maioria das discussões nem sequer começa com o objectivo de apurar alguma verdade!
Talvez essa seja a razão pela qual eu tenho cada vez menos paciência para discussões, nem que seja sobre o tempo!
Esta é uma das questões do ego, a identificação com a forma. Se eu me identifico com os meus pensamentos, vou defendê-los a todo o custo. Alguém que esteja contra uma idéia minha, eu já sinto como algo pessoal e essa pessoa está contra mim. "Ou estás do meu lado, ou estás contra mim". Para muitos, esta é a sua realidade e não há meio termo.
Olhando à minha volta, acho que, da maioria das discussões, independentemente dos temas, a única coisa que "nasce", são egos ainda mais fortes. Cada pessoa agarrada ao seu pedaço de verdade, reforçando-a cada vez mais, criando resistência à verdade do outro.
Saber discutir, de forma produtiva, obriga a abrirmos mão da nossa verdade, pelo menos por um tempo, para termos espaço para ouvir e assimilar a verdade do outro. Saber ouvir, ou melhor, escutar, é outro requisito essencial e nada fácil. Para podermos escutar realmente alguém, temos de calar a nossa mente tagarela, evitando os seus constantes julgamentos e interpretações. Temos de tentar ver o mundo através dos olhos do outro, para realmente o percebermos. Temos de ter a capacidade de chegar à conclusão que podemos estar errados!
Infelizmente, não é isto que mais vejo... A imagem que me vem, é de um campo de batalha. Cada pessoa escondida por trás da sua muralha, os muros egóicos, esperando que o "inimigo ataque" (apresente os seus argumentos), para, logo em seguida, contra-atacar. E quando o "inimigo" é difícil de vencer, então chamamos reforços: começamos a citar A, B e C, pessoas muito entendidas no assunto, que dizem que "eu estou certa e tu errado"; dizemos que conhecemos muitas pessoas (na verdade, não são mais de uma ou duas, mas dizer "muitas" tem mais impacto...) que dizem, fazem ou veêm o mesmo que nós, etc.
Enfim, um duelo de egos, é o que é! Bem diferente do que, na minha opinião, deveria ser. Cada pedacinho de verdade é como a peça de um puzzle. Quando em conjunto com outras peças, forma uma imagem maior. Se eu junto o meu pedacinho de verdade, com os pedacinhos de outras pessoas, então, todos podemos chegar a uma verdade maior. E assim, nasce a luz!
Lembro-me de uma série que eu via na adolescência, "Os Imortais". Do que me lembro, havia o personagem principal, que era o McCloud. Em cada episódio, ele lutava com outro imortal. A única maneira de morrerem, era cortarem-lhes a cabeça e o vencedor da luta, absorvia a energia do que tinha morrido. Digam lá se não é isto que fazemos, a maior parte das vezes, quando discutimos? A única coisa que interessa é "cortar" a cabeça do outro, vencer a disputa. Sermos o vencedor!
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