quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A doença foi uma cura

Vai fazer em maio deste ano, 11 anos que estive doente. Tive um linfoma. Sobrevivi para contar a história. A maior parte do tempo, nem me lembro que passei por isso. Já parece que foi noutra vida. Mas, às vezes, gosto de relembrar a experiência, em particular, o que aprendi com ela.

Naquela altura, tudo na minha vida parecia estar "em obras". Cá por dentro, a mudança era mais que muita. Um caos autêntico, como acontece sempre, antes das grandes mudanças. Sem dúvida, foi a "morte" de quem eu tinha sido até aquele momento. Não ficou pedra sobre pedra. Quando há grandes mudanças, ouvimos dizer: "virei a página". Pois eu acho que não virei apenas a página. Eu acho que troquei de livro!

Responsabilizei-me pela minha doença desde o início. Responsabilidade não é culpa... Culpa não tive. Não fiquei doente por querer. Mas fui responsável pelas circunstâncias, internas e externas, que levaram a que o meu corpo entrasse em curto-circuito. O pior cego, é o que não quer ver. E eu fingia que não via o que já tinha visto há muito tempo. Havia muitas coisas que tinham de ficar para trás, mas eu agarrava-as com unhas e dentes. Padrões emocionais a serem quebrados, mas eu agarrava-me a eles. 

Enfim, estava a resisitir à mudança. Grande erro... Há alturas em que a vida nos dá duas opções: mudar, ou mudar. O que podemos escolher, é se mudamos a bem, ou se mudamos a mal. Infelizmente (ou talvez não...), escolhi a segunda opção. A vida já me tinha sussurrado ao ouvido. Fingi não ouvir. Depois, falou um pouco mais alto. Fiz ouvidos de mercador. Ainda tentou berrar, mas, aqui a esperta, continuava na sua. Pronto, não dei outra hipótese à vida, senão dar-me na cabeça, a valer, para me fazer acordar.

Desde o início, sabia não ser o momento de partir. Tinha uma certeza dentro de mim, (daquelas coisas que não sabemos como sabemos, mas sabemos que sabemos) que a doença tinha sido uma lição, uma maneira de me fazerem relembrar da força interior que tenho (e que andava um pouco esquecida), uma forma de me conduzirem de volta ao caminho certo.

Uma vez que me tinha responsabilizado pela doença, responsabilizei-me também pelo processo de cura. Os médicos cumpriram a sua missão, ajudando-me a curar o corpo.  A mim cabia-me fazer o resto. E também cumpri a minha missão. Aprendi a lição. Mudei a vida. Mudei de vida. 

Em doenças como estas, quando o corpo padece de desequilíbrios que vêm da nossa mente, tratar só o corpo, não resulta, pelo menos a longo prazo. Quem sou eu para dizer estas coisas... Mas digo-vos isto, porque foi o que senti. 

Durante as três semanas em que estive internada e em que pouco dormi, passava as noites a reflectir sobre a vida. Apesar de sentir que ía correr tudo bem, não posso negar que havia momentos em que surgia algum medo. E nessas horas, ouvia uma voz cá dentro, que me perguntava: "E se este for o teu momento? O que fizeste com a tua vida até agora? Eras jovem, saudável... E o que fizeste com isso? Soubeste aproveitar? Valorizaste o que tinhas? E se nunca mais puderes fazer as coisas que gostas?". Acabava sempre estas conversas mentais com uma promessa à vida: "Se me deres outra chance, prometo que não a vou desperdiçar!". Ela confiou em mim...

Todos sabemos que podemos não ver o amanhã chegar. A cabeça sabe-o, mas o coração não o sente. Por isso, vivemos como vivemos. Como se fossemos estar cá para sempre. Vamos andando, deixando que passem os dias, um igual ao outro. Vamos adiando para amanhã, a realização dos nossos sonhos. Por vezes, há quem os adie tanto tempo, que já se esqueceu que, um dia, sonhou, ou sente que agora já é tarde para os realizar.

Quando passamos por experiências em que, de facto, a morte pode estar muito mais próxima do que pensamos, a percepção é diferente. Sabemos e sentimos, cabeça e coração, que o amanhã pode não chegar. Para alguns, isso pode trazer tristeza. A mim, trouxe "fúria" de viver! Acho que nunca me senti tão forte e capaz de tudo, como depois de estar doente. As prioridades estavam na ordem certa. Eu estava viva e saudável. Tinha vencido a maior batalha da minha vida! Não havia nada de que não fosse capaz! E nada, mas nada, nem ninguém, era mais importante que a minha felicidade! Até me arrepio ao escrever sobre isto, porque eu estava mesmo no auge da minha força interior e tinha renascido para a vida!

Dizem que os índios fazem da morte, que é certa, sua conselheira. Eu faço da minha doença, a minha conselheira. Gosto de pensar nela, acima de tudo, no que senti e aprendi com ela. Quando somos confrontados com a fragilidade e efemeridade da nossa vida, percebemos o que, de facto, interessa. O que é essencial. E acreditem, 90% (pelo menos) das coisas que nos fazem perder o sono e a paz, não valem nada, nada, nada. Não interessam mesmo, mesmo nada! 

Vivermos em paz connosco é essencial. Cuidarmos bem do nosso mundo interior. Consciência limpa. Coração aberto, sem mágoas ou ressentimentos. Amar, incondicionalmente, começando por nós. Não adiar os sonhos. Cuidar da nossa sobrevivência, mas sem esquecermos que a vida é muito mais que isso. Não esperarmos o momento em que perdemos algo, ou alguém, para reconhecer e demonstrar o valor que tem para nós. Etc.

Tudo o que temos, na verdade, não temos. Nem esta vida, que agora vivemos, será nossa para sempre. Até o nosso corpo, um dia, nos será tirado. Por isso, antes que isso aconteça, sejam felizes. Não depende de ninguém, a não ser de vocês. Não coloquem sobre nada, nem ninguém, o peso da vossa felicidade. Ela é responsabilidade vossa! Sigam o caminho que vos faz vibrar o coração. 

Em caso de dúvida, façam como os índios: "já que vou morrer e vou, e pode ser mais cedo do que penso, que devo fazer?". 

Ao terminar a última aula de hoje, lembrei-me da minha doença. Talvez estivesse a precisar relembrar-me dela. Quem sabe, alguém desse lado não estará também a precisar?


Sem comentários:

Enviar um comentário