sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Yamas e Niyamas

Uma vez que no último artigo sobre as lesões no yoga, falei em ahimsa, hoje escolhi os yamas e niyamas como tema.

Para chegar a eles, vou recuar um pouco no tempo e falar de Patañjali e o yoga clássico.

Patañjali foi o codificador do yoga clássico e, apesar de não haver unanimidade quanto à data em que terá vivido, acredita-se que foi algures entre os séculos IV e II a.C.
Yoga Sútra é a obra de Patañjali, onde ele fala do Asthanga Yoga. Asht significa “oito”; anga significa “parte”, “membro”. Ashtanga Yoga é o “yoga em oito partes”, como foi codificado por Patáñjali, conhecido também como Yoga Clássico. 

O yoga clássico, divide-se em oito partes (angas):
1 – disciplina (yama)
2 – autocontrole (niyama)
3 – posturas (ásana)
4 – controle da respiração (pránáyáma)
5 – recolhimento dos sentidos (pratyáhára)
6 – concentração (dháraná)
7 – meditação (dhyána)
8 – iluminação (samádhi)

Yama, niyama, ásana e pránáyáma constituem o aspecto externo do yoga (bahiranga), enquanto que dháraná, dhyána e samádhi constituem o aspecto interno (antaranga).

Os dois primeiros passos, que são a parte ética do yoga, o yoga fora da sala de prática. Infelizmente, parecem não ter muita importância nos dias de hoje, nem na prática de yoga, nem na vida! Sem eles, podemos conseguir dominar as técnicas de forma perfeita, mas para que possamos caminhar na direcção certa, temos de os ter presentes e fazer deles a principal prática. Tendo em conta que a meta do yoga é a transcendência do ego, sem yama e niyama, arriscamo-nos a usar o yoga para fortalecer o ego (achamos que estamos mais "evoluídos", porque praticamos yoga, às vezes até há um certo sentimento de superioridade em relação aos "pobres coitados", "comuns mortais", que ainda não despertaram, etc, mas estamos tão cegos quanto antes. E, pior ainda, cegos, mas achando que já vemos alguma coisa).

Yama
Controle, domínio, disciplinas éticas. Segundo Georg Feurstein, “juntas, elas constituem o maha-vratta, o grande voto, que, de acordo com o Yoga Sútra (2.31), deve ser posto em prática independentemente de lugar, tempo, circunstância e da posição social da pessoa. Essas atitudes morais têm a finalidade de pôr rédeas à nossa vida instintiva. A integridade moral é um pré-requisito essencial da prática bem sucedida do yoga”.

  • Ahimsá – Não usar nenhum tipo de violência: nem de acção, nem de pensamento. Por vezes, ao falar-se deste tema, surge o tema da alimentação. É muito comum associar-se o regime vegetariano aos praticantes de yoga, usando ahimsa como argumento. No entanto, ahimsa não é, nem nunca foi sinónimo de vegetarianismo. Ser vegetariano, não significa ter uma personalidade “não-violenta”, ou ser yogi. Citando Iyengar: “a violência é um estado mental, não uma dieta”. Para mim, viver e deixar viver, respeitando as opções de cada um, é uma boa prática de ahimsa. Se alguém se torna vegetariano por respeito à vida dos animais, muito bem, deve seguir a sua consciência. No entanto, não significa que quem não faz essa opção tenha um temperamento mais violento.
  • Satya – Verdade em todos os níveis: pensamentos, palavras e acções. Verdade na nossa relação com os outros e na nossa relação connosco, pois às vezes, somos a pessoa a quem mais mentimos. Mahatma Gandhi disse: “A verdade é Deus e Deus é a verdade”.
  • Asteya – não roubar, não cobiçar ou invejar bens ou conquistas alheias.
  • Brahmacharya – Não desvirtuar a sexualidade. Não é um conceito de proibição ou negação. Por vezes, fala-se de brahmacharya como sendo celibato, mas não tem a ver com isso. No contexto do yoga, brahmacharya significa controlar a sexualidade, através do celibato, ou da contenção do orgasmo, para dirigir a força geradora para a evoluçaõ na prática. Lembrem-se que estes conceitos nada têm a ver com moralidade, ou com a noção de “bem” e “mal”, mas sim com a evoluçaõ na prática do yoga com vista ao samádhi, a libertação.
  • Aparigraha – desapego, não possessividade em relação a tudo, sejam bens materiais, sejam relações afectivas.
Niyama
Prescrições psicofísicas, estão ligadas à vida interior do praticante. “Enquanto as cinco regras de yama servem para harmonizar o relacionamento deles com os outros seres, as cinco regras de niyama harmonizam o relacionamento deles com a vida em geral e com a Realidade transcendente”.

  • Shauchan – Purificação interna e externa. Boa alimentação, hábitos de vida saudáveis, técnicas de limpeza do organismo, bem como pensamentos e emoções “limpos”.
  • Santosha – Contentamento. Cultivar uma atitude positiva, alegre, tranquila, independentemente das circunstâncias externas. Santosha é o oposto da atitude de eterna insatisfação de que o ser humano parece sofrer hoje em dia, apesar do “tanto” que tem.
  • Tapas – Esforço sobre si próprio, auto-superação. Há três tipos de tapas: o que se relaciona com o corpo (káyika), tapas da palavra (váchika) e da mente (mánasika). A não-violência, por exemplo, pode ser visto como tapas do corpo. Falar a verdade, não usar palavras que ofendam, é um tapas da palavra. Desenvolver uma mente positiva e tranquila, apesar das circunstâncas, é um tipo de tapas mental.
  • Swadhyaya – Auto-estudo através da auto-observação constante e do estudo da metafísica do yoga.
  • Íshwara Pranidhana – Entrega da acção e dos seus frutos ao absoluto, a uma ordem divina superior. Ou seja, fazermos o que temos a fazer e, de resto, “o que tiver de ser, será!”. Íshwara Pranidhana significa também agirmos sem esperarmos recompensas, servir o outro, servir a humanidade. Entrega ao Todo, desapego do resultado da acção.
Os yamas e niyamas têm como objectivo a purificação do indivíduo a todos os níveis. Não são exclusivos do yoga, mas são essenciais para o yoga.

Claro que, a não ser que sejamos santos, é muito difícil aplicá-los a todos na nossa vida. Mas convém lembrar que o caminho faz-se caminhando. Como diz o professor Pedro Kupfer e muito bem: “Talvez você possa concordar comigo em que discorrer sobre a ética é teoricamente muito interessante, mas impossivel de aplicar-se na prática por seres humanos normais, porque os yamas e niyamas são para santos, mas o Yoga é para gente como nós. Na verdade, você não precisa seguir todos os yamas e niyamas ao mesmo tempo. Escolha apenas um e mantenha-o a qualquer preço. Os outros virão sózinhos”.

Só o facto de estarmos mais atentos aos yamas e niyamas, já vai produzir bastantes mudanças na nossa postura perante nós mesmos, os outros e a vida.

1 comentário:

  1. Adorei, texto muito bem escrito e bastante elucidativo ;) Obrigada Catarina

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